Aqui só tem História

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quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

9˚ano: Diários da Primeira Guerra Mundial

Sempre adorei os relatos produzidos por aqueles que vivenciaram os conflitos, é tão real, tão cheio de emoções... Faz tudo parecer mais vivo, como se tivesse acabado de acontecer. A I Guerra Mundial foi chamada de Grande Guerra não a toa, foi um conflito sem precedentes, não somente pelos 10 milhões de mortos e 20 milhões de feridos, mas pelas dimensões que assumiu na vida daqueles que foram obrigados a passar por ela e nas feridas profundas que deixou sem cicatrizar.
   Há alguns anos li o livro Vozes Roubadas, diários de guerra, organizado por Zlata Filipovic e Melanie Challenger. Como não me emocionar com os relatos da jovem Piete Kuhr, sua ingenuidade e olhar singular sobre os acontecimentos que castigavam sua Alemanha? Sempre tento dividir essas emoções com vocês, meus alunos, meus ouvintes...


      Lembrem-se: Utilizem a formação dos grupos das aulas de Pensar Crítico, colaborem uns com os outros e caprichem! 
    Verifiquem também o site da Veja na História, não só as edições sobre a I Guerra Mundial, mas também muito outros temas super interessantes.
http://veja.abril.com.br/historia/
    Fica também a dica de ótimos filmes como o romance francês: Eterno Amor http://www.adorocinema.com/filmes/eterno-amor/  Feliz Natal: http://www.adorocinema.com/filmes/feliz-natal/


      Vamos lá? Munam-se de seus sentimentos dramáticos e mergulhem nessas fascinantes histórias!

Texto 1, 1914: “Queria tanto ir com eles ! Não quero ficar para trás e ser criança ! Tenho tanta pena dos soldados e dos cavalos” – Piete Kuhr, 06/08/1914 

      Hoje é dia 1˚ de agosto de 1914. Faz muito calor. Faz muito calor. Começaram a colher o centeio no dia 25 de julho, já está quase branco. Quando passei por um campo esta noite, colhi três ramos e fixei-os sobre a minha cama com uma tachinha. 
      A partir de hoje a Alemanha está em guerra. Minha mãe me aconselhou a escrever um diário sobre a guerra; ela acha que poderá me interessar quando eu for mais velha (...)
   Foram os sérvios que começaram. No dia 28 de julho, eles receberam o príncipe herdeiro Francisco Ferdinando e sua esposa Sophie. O casal real estava passeando de carro pela cidade de Sarajevo, e enquanto o carro passava, com eles acenando, houve uma emboscada e tiros foram disparados. Ninguém sabe quem foi o autor. O jornal diz que toda a Áustria Hungria está num alvoroço indescritível. Em Viena um ultimato foi redigido e enviado à Sérvia, mas os sérvios o rejeitaram. Todos dizem que os sérvios desejam a guerra para poderem manter seu estado de independência e que a Rússia irá apoiá-los. (...) 
      Áustria-Hungria, Alemanha, Sérvia, Rússia e França mobilizaram seus exércitos. Não fazemos ideia de como será a guerra. Há bandeiras em todas as casas da cidade, como se estivéssemos em época de algum festival (...) 
Piete Kuhr

Bibliografia: FILIPOVIC, Zlata; Challenger, Melanie (org). Vozes roubadas: diários de guerra. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.

Texto 2, Diário do ten. Galtier-Boissière, na frente ocidental em 22 de agosto de 1914. 22 de agosto de 1914

“De repente, uns silvos estridentes nos precipitaram ao chão, apavorados. A rajada acaba de estalar sobre nós Os homens, de joelhos, encolhidos, com a mochila sobre a cabeça e encurvando as costas, se apegavam uns aos outros. Por baixo da mochila dou uma espiada nos meus vizinhos: arquejantes, sacudidos por tremores nervosos e com a boca contraída numa contração terrível, batiam os dentes e, com a cabeça abaixada, tem o aspecto de condenados oferecendo a cabeça aos carrascos. Esta espera da morte é terrível. O cabo, que havia perdido seu capacete, me diz: rapaz, se soubesse que isso era a guerra e que vai ser assim todos os dias, prefiro que me matem logo. (…) Na sua alegre inconsciência, a maioria dos meus camaradas não havia jamais refletido sobre os horrores da guerra e não viam a batalha senão pelas cores patrióticas: desde nossa saída de Paris, o Boletim do Exército nos conservava na inocente ilusão da guerra ser um passeio e todos acreditavam na história dos boches se renderem aos magotes. (…) A explosão daquele instante, sacudiu nosso sistema nervoso, que não esperava por isso, e nos fez compreender que a luta que começava seria uma prova terrível. Escute meu tenente, parece que se defendem estes porcos!”


Texto 3: Martin Gilbert. A Primeira Guerra Mundial. 

Na frente Ocidental, as condições de guerras finais em 1915 eram aterrorizadoras (…). Durante o Mês de Novembro a chuva foi tão intensa que muitas trincheiras tinham água até os joelhos e por vezes até a cintura. Houve um episódio nesse mesmo inverno que foi falado em toda frente Ocidental. Sobre um parapeito alemão narrou um homem chamado Gibbs (correspondente na linha de frente):  
   ‘’Apareceu um cartaz onde se lia; em grandes letras: ‘’Os ingleses são idiotas. Não somos tão idiotas quanto eles’’, disse ao sargento, e pouco depois o cartaz foi feito em pedaços com fogos de metralhadoras. Apareceu outro cartaz, que dizia: ‘’Os Franceses são idiotas’’. A lealdade para os nossos aliados causou a destruição desse cartaz. Surgiu um terceiro cartaz: ‘’Somos todos idiotas. Vamos, mas é para casa”. Esse cartaz, assim como os outros também foi destruído. Mas essa mensagem causou alguns sorrisos, e os homens diziam: “Há muito de verdade naquelas palavras.” Porque é que isto tem que continuar? È por causa do que?”. Os velhos que começaram essa guerra que venham lutar entre eles. /…/ Os homens que estão à lutar não tem nenhuma questão séria entre eles. Queremos ir todos para as nossas casas, para nossas mulheres, para o nosso trabalho. Mas nenhum dos lados estava preparado para ser o primeiro para ir à suas casas. Ambos os lados tinham caído numa armadilha- uma armadilha infernal, na qual não tinha escapatórias.
Texto 4, Madrugada de 22 de abril de 1915. Comandada pelos britânicos, a frota da Tríplice Entente prepara-se para iniciar a operação anfíbia que almeja a tomada do estreito de Dardanelos, passo primeiro da conquista da Turquia. Os botes que levam os soldados às praias estão partindo. Eric Bush, guarda-marinha de um dos barcos-escolta do HMS Bacchante, descreve a cena.

      Almofadados para evitar qualquer barulho, os remos são baixados cuidadosamente nos botes. Alguns soldados ajustam o equipamento, outros apertam a fivela do capacete ou ainda azeitam seus rifles. Porém... As cornetas em terra firme dão o alarme. Fomos avistados! As luzes se acendem. O inimigo abre fogo. Começa a chuva de balas. Está escuro o suficiente para vermos o espocar dos rifles e metralhadoras e claro o suficiente para reconhecermos os otomanos se movimentando em terra.

    Não há cobertura para nossos soldados. Diversos são atingidos antes de chegarmos ao continente. Vejo alguns deles tombarem nos botes lotados, tão logo levantam para sair, alvejados pelos projéteis inimigos. Graças a Deus, restam apenas mais algumas jardas. Assim que os barcos atracam, eles pulam. Em alguns casos, a terra firme está mais longe do que imaginam, e os soldados precisam arrastar-se para a margem com água na cintura. Os menos preparados afundam com seu equipamento pesado. Mas a maioria chega em segurança, joga-se na areia e, de trás de suas mochilas, começa a atirar.

   O major Shaw, da 29º Divisão britânica, uma das mais experientes de toda a operação e que estava encarregada de tomar as praias do cabo Helles, está em uma dessas embarcações.

A cerca de cem jardas da praia, o inimigo abriu fogo, e o chumbo veio quente, espirrando água por todos os lados. Eu não vi ninguém ser atingido nos botes – mas muitos foram, como meus contramestre-sargento e major-sargento, que estavam sentados a meu lado. Estávamos tão apertados, próximos uns aos outros, que não era possível se mover. Eles ficaram ali, sentados, mortos.

Quando o senti o barco tocar em terra, corri em direção ao arame farpado na praia, locomovendo-me pela água que devia estar ainda a um metro de altura. Descobri que apenas Munsell e outros dois homens haviam me seguido. À direita de mim, em um rochedo, havia uma fileira de otomanos em uma trincheira, atirando em nossa direção. Olhei para trás. Uma fila de soldados encontrava-se disposta nas bordas da areia. O mar estava absolutamente vermelho, e era possível ouvir os gemidos em meio ao ruído da fuzilaria. Havia alguns poucos dos nossos atirando de volta. Eu os chamei para avançar. O soldado atrás de mim, porém, gritou: "Fui atingido no peito." Percebi então que todos haviam sido atingidos.

Texto 5: O suboficial Johnson, da divisão naval britânica, chegou com segurança à praia e posicionou-se em um pequeno buraco próximo à trincheira.

Por quase uma hora, as enormes armas não pararam de cuspir projéteis, enquanto nos afundávamos nos buracos das trincheiras. Era bom quando dois caras podiam ficar juntos em um desses buracos – significava companhia. As pernas e os pés ficam para fora, mas as costas e a cabeça estão protegidas por talvez cinquenta, sessenta centímetros de terra, que qualquer cápsula ordinária pode destruir em um centésimo de segundo. É melhor nem pensar nisso. Acendemos um cigarro e ficamos olhando um para a cara do outro. É melhor esperar. Tudo que você vê é o lado oposto da trincheira de areia, que você encara com um olhar vago e distante. Os projéteis gritam alto e com frequência, e você ouve os rangidos, os berros e as explosões misturados. O chão abaixo e em seu entorno está tremendo e chacoalhando.

A fumaça entra no buraco e eu e meu companheiro começamos a tossir. Metade da areia que estava na superfície nos protegendo agora está em nosso pescoço e dentro de nossa calça. Nos perguntamos se um dia esse bombardeio irá parar... Mas de repente, os barulhos cessam e o ar fica claro. Percebemos que, ao menos por enquanto, o bombardeio parou. Depois de esperarmos mais alguns minutos, para ter certeza, saímos do buraco, em direção às trincheiras. Olhamos por sobre ela e tudo que vemos é um horizonte sem sinal de vida.




Texto 6: Condições putrefatas de higiene atraem companhia indesejável nas trincheiras: piolhos – Batalhões de insetos perseguem recrutas – Ratos comedores de cadáveres enojam soldados de todos os lados

Dia inteiro e a noite estrelada

Por eles não posso descansar ou dormir,

Nem me esconder ou bater em retirada.
Então em minha agonia eu os massacrei

Até de vermelho minhas mãos banhar

Em vão – quanto mais rápido eu matava

Mais cruéis ainda eles conseguiam voltar.
Eu matei e matei, com loucura assassina,

Matei até esgotar toda a minha garra,

E eles se levantavam para me torturar

Porque diabos só morrem fazendo farra.
Antes eu achava que o demônio se escondia

No sorriso das damas e no vinho gostoso

Eu o chamava de Satã, de Belzebu

Mas agora o chamo de piolho asqueroso.


Texto 7: Eddie Rickenbacker “Ás dos Ases”, piloto americano.

Na noite do dia 10, discutíamos a missão do dia seguinte quando o telefone tocou. Uma voz quase histérica gritou a notícia em meus ouvidos: às 11 horas da manhã seguinte, a guerra acabaria. Nossa missão estava cancelada. Para nós, a guerra acabou naquele momento. Desliguei o telefone e olhei para meus pilotos. Todos perceberam a importância daquele telefonema. Silêncio total no recinto.
“A guerra acabou!”, gritei. Todos ficamos loucos. Berrando como malucos, corremos para pegar qualquer arma ou sinalizador para atirar para o alto!
Olhei para meu relógio. Um minuto para as 11 horas. Trinta segundos. E então 11 horas, a décima-primeira hora do décimo-primeiro dia do décimo-primeiro mês. Eu era a única platéia do maior espetáculo já apresentado na Terra. De ambos os lados da terra de ninguém, as trincheiras entraram em erupção. Homens com uniformes marrons irromperam das trincheiras americanas, uniformes cinza-esverdeados saíam das alemãs. Do meu assento de observador, acima, vi atirarem seus capacetes para o ar, abandonarem suas armas e acenarem para o outro lado. Então, de um lado a outro do front, os dois grupos de homens começaram a avançar na terra de ninguém. Segundos antes, eles estavam dispostos a atirar um nos outros; agora eles se aproximavam. Inicialmente, de forma hesitante, mas depois com mais rapidez. 
De repente, uniformes cinzas se misturavam aos marrons. Eu pude vê-los abraçando uns a outros, dançando, pulando. Americanos distribuíam cigarros e chocolate. Voei para o setor francês. Lá era tudo ainda mais incrível. Depois de quatro anos de carnificina e ódio, eles estavam não apenas se abraçando, mas também se beijando nas duas bochechas também.
Bombas, foguetes e sinalizadores subiam aos céus, e dei meia-volta rumo à base. A guerra havia acabado.

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