Em Bélâbre, a cerca de 330 km de Paris, uma magnífica casa burguesa guarda um tesouro. Alphonse e Marie Rochereau mantiveram o quarto de seu único filho, Hubert, que morreu em combate em abril de 1918, aos 21 anos, intacto. O quarto da infância tornou-se um tributo ao amor dos pais por seu filho.
O quarto de Hubert Rochereau, segundo-tenente do 15º regimento de dragões é pequeno, escuro e cheio de objetos e permaneceu como estava no final da Grande Guerra. Cada um dos objetos espalhados conta um pouco da história desse jovem.
Uma vida registrada nos objetos de um quarto
Casacos militares, hoje roídos por traças, as armas e equipamentos pendurados nas paredes, a cama com a colcha de croché sobre a qual foi colocado seu capacete de Saint-Cyrien, uma lanterna, um pote de cigarros, um cachimbo ainda cheio de tabaco...
Os livros, cadernos e anotações testemunham um estudante empenhado do Colégio militar Saint-Cyr e apreciador de literatura francesa.
Fotografias o mostram em momentos felizes e relaxados antes do conflito, tudo no exato local onde Hubert os deixou.
Um capacete prussiano, duas pistolas, uma faca, um cantil alemão de metal crivado de balas - souvenirs de combate?; baionetas, bandeiras francesas, esporas, uma máscara de esgrima e um tubo de pasta de dentes que era usada nas trincheiras.
Quinhentos e cinquenta objetos são testemunhas que ali viveu e cresceu Hubert Rochereau.
O relógio na mesinha de cabeceira parou às 5h18.
Com o tempo, o papel de parede descascou e desbotou, mas ainda confere ao quarto certa elegância das casas abastadas do início do século XX.
Desde o dia em que partiu para a guerra depois de uma licença, em janeiro de 1918, nada mudou. Um sentimento de responsabilidade e talvez de orgulho certamente assombrava esta família militar, cujo antepassado serviu como intendente de Napoleão.
A correspondência
https://www.lepopulaire.fr/limoges-87000/actualites/la-chambre-du-poilu-a-belabre-dans-l-indre-un-lieu-fige-pour-l-amour-du-fils-adore_14330944/
Entre dois gabinetes, sob um sabre de cavalaria do século XIX, dois baús levam o nome de Hubert Rochereau. Eles contêm riquezas. O casal Rochereau depositou ali, para a posteridade, os cadernos escolares que Alphonse usou para transcrever pacientemente, a infinidade de correspondências que a família trocou durante os anos em que Hubert esteve no front. Folhas de louro foram colocadas entre esses cadernos para que serem preservados da melhor forma possível na escuridão do baú fechado.
Os cadernos em que Alphonse Rochereau, o pai, transcreveu a correspondência com o filho.
Um dos cadernos de correspondência
“Não me diga que eu estraguei você, meu querido filho. Eu era rigoroso. Mas seu treinamento foi muito fácil, meu querido”, relata o pai em um dos cadernos com a correspondência entre eles.
Os álbuns de fotografias permaneceram guardados em um dos armários. Nessas páginas, sucedem-se as memórias de uma criança mimada rodeada pela família, mas também as, mais atormentadas, de um soldado mobilizado com apenas 19 anos.
Na véspera de sua morte, Hubert escreveu aos pais: “Não nos falta nada, tudo está indo muito bem, não se preocupem, queridos pais. Então, vocês sabem, tenho confiança ilimitada em Deus”.
Os pais do jovem oficial nunca se recuperaram. Em um de seus cadernos, o pai de Hubert escreveu: “Continuamos a viver para ele, como no passado, não tendo mais nenhum outro propósito na Terra. Sua memória nos abriga, vivemos em sua sombra que se estende sobre nós como proteção do alto ."
A morte de Hubert
O segundo-tenente morreu em uma ambulância de campanha inglesa após ser ferido no Monte Kemmel, no vilarejo de Loker, na Bélgica. Hubert Rochereau foi enterrado em um cemitério inglês antes de seu corpo ser repatriado para Bélâbre em 1922.
Um frasco colocado sobre a mesa lembra o triste fim do jovem Hubert; numa etiqueta, algumas palavras escritas a tinta: “da terra da Flandres onde caiu o nosso querido filho e que preservou os seus restos mortais durante quatro anos”.
A placa de metal acima é a testemunha da morte de Hubert. Seu nome está gravado em um dos lados; no outro, Alphonse Rochereau escreveu algumas linhas. "Placa gravada às pressas com cinzel pelo armeiro-chefe do regimento e pregada no caixão original feito durante a Batalha do Monte Kemmel..."; devido à emoção, o resto do texto é perfeito; “A pobre criança levada morrendo no campo de batalha, um estilhaço na região temporal esquerda…”
As condecorações e o retrato
Um retrato completo de Hubert vigia a sala e seus tesouros como uma sentinela. O jovem, em seu uniforme militar, está com chicote embaixo do braço, luvas de pele de carneiro nas mãos e um casaco repleto de condecorações. No entanto, as medalhas militares que Hubert usa foram-lhe conferidas postumamente, ou seja, quando a foto foi tirada e o quadro feito, Hubert não poderia ter as medalhas. O casal Rochereau retocou a foto para ter uma imagem do filho como ele seria se tivesse retornado.
Museu para o quarto de Hubert
Poucos meses antes da morte do casal, em dezembro de 1936 e janeiro de 1937 respectivamente, eles doaram a casa, mas deixaram instruções expressas, registradas no tabelião, para aqueles que ocupassem o local: se comprometer a não tocar em nada no quarto de Hubert durante quinhentos anos.
Ao século XX, os quatro proprietários do imóvel cumpriram as cláusulas e mantiveram o quarto inviolado.
Hoje, 105 anos depois, os atuais proprietários do imóvel venderam os objetos do quarto a um casal de Paris, que em parceria com a prefeitura da cidade, idealizam a construção de um museu em outro lugar. O quarto foi digitalizado e até o papel de parede será restaurado. Logo o público poderá testemunhar o amor de Alphonse e Marie por seu filho.
Fontes da pesquisa:
Dans l’Indre, la chambre intacte d’un jeune poilu mort au combat va déménager: https://www.lemonde.fr/m-le-mag/article/2023/06/11/dans-l-indre-la-chambre-intacte-d-un-jeune-poilu-mort-au-combat-va-demenager_6177095_4500055.html