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sábado, 1 de outubro de 2016

Em busca da pintura rupestre e da história mapuches: A Isla Victoria no Lago Nahuel Huapi

Ao planejarmos nossa viagem à Patagônia para julho de 2016 me vi em meio a muitas dúvidas: será que eu, uma garotinha que adora cidades, museus e centros culturais, ia gostar de tanta natureza? 
Apesar de gostar de trilhas, caminhadas e tudo o mais, estava mesmo preocupada se nesse caso não seria demais... Pesquisando sobre Bariloche e seus arredores, descobri que na islã Victoria há uma trilha, não muito longa, que leva os visitantes a uma área de pinturas rupestres. Confesso que a partir daí, tudo se tornou mais atrativo... 
O passeio a Isla Victória é um dos mais tradicionais de quem vai a Bariloche, acontece via navegação pelo lago Nahuel Huapi, que por si só é um espetáculo! É um lago de origem vulcânica e em 552 km de extensão - 2 vezes a cidade de Buenos Aires - e em seus pontos mais profundos alcança mais de 400 metros de profundidade. A coloração azul é impressionante e lindíssima! 
A distância entre o centro de Bariloche e o porto é de 25 km, nós optamos por contratar uma empresa que nos levou até o embarque. O caminho é lindo, foi nosso primeiro contato direto com a Patagônia e a cada curva ficávamos boquiabertos diante de toda a beleza que se revelava.

Bem em frente ao porto fica o luxuoso hotel Llao Llao, no Cerro Lopez- tão opulento que até parece cena de cartão postal da belle époque
Capela de San Eduardo - tão charmosa e em estilo neogótico, foi construída em pedras e ciprestes da Patagônia pelo mesmo arquiteto do hotel Llao Llao, Alejandro Bustillo.


Chegada ao porto Pañuelo - Porto Lenço?! É isso mesmo? Sim, trata-se de uma curiosidade local: dali partem os navios de cruzeiro para o Chile e em tempos mais "clássicos", hóspedes do luxuoso hotel Llao Llao vinham se despedir de amigos que partiam acenando seus lenços. Outra versão que ouvi foi que utilizaram lençóis brancos para que os navios vissem ao longe onde deveriam atacar, mas distantes no lago, lembravam pequenos lenços. 

No local foi necessário comprar a passagem - navegação (780 pesos por pessoa) + a entrada no Parque  Nacional Nahuel Huapi (100 pesos por adulto - crianças até 16 anos não pagam) + a taxa de navegação (42,50 pesos por pessoa). Atenção para a fila enorme! 

                                      
                                          Ingressos para o Parque Nacional Nahuel Huapi

                                       
A viagem é feita nessa catamarã da empresa Cau Cau, ela possui assentos internos muito confortáveis. 
                               
A navegação dura em torno de 1 hora, as paisagens são deslumbrantes e as gaivotas, acostumadas aos turistas, aproximam-se da embarcação em busca dos biscoitos que lhes são oferecidos. 
                                     
Na volta conseguimos fotografar a gaivota vindo pegar o biscoito na minha mão! 

A chegada à Isla Victoria é espetacular, as paisagens patagônicas são grandiosas e a formação geológica impressiona. A composição entre lago, vegetação e montanhas deixa qualquer um encantado. 

Assim que desembarcamos, recebemos orientação sobre o caminho que deveríamos seguir até chegarmos à área da pintura rupestre, seria uma caminhada tranquila, de cerca de 2 km, tudo isso em meio às árvores e praias da ilha, mas o frio e o vento cortante, dificultaram o trajeto. 

                                 



O tamanho das árvores e largura dos troncos nos causaram estranhamento. São imensas! 






Finalmente alcançamos o paredão onde estão as pinturas. A palavra rupestre vem do latim rupestris, em alusão à rocha. As atividades dos primeiros habitantes dessa região - os mapuches - ficaram registradas. São símbolos complexos, lembrando formas geométricas. A idade das pinturas é de 700 anos. A representação da canoa - provavelmente - faz alusão a importância da navegação para esse povo, que ocupava o Nahuel Huapi  e as ilhas locais como subsistência. 

                                        

O nome Nahuel Huapi significa, em idioma mapuche, Ilha do Tigre. Esse povo era conhecido como bravos guerreiros e também belicosos, essa fama impedia invasões ou ataques inimigos vindos do ouro lado da cordilheira - o Chile - Infelizmente, não impediu a chegada e ocupação dos europeus no século XIX. 

Vi poucos descendentes dos povos originários em Bariloche, apenas algumas fotos na confeitaria Abbuela Goye, uma garçonete muito linda e simpática em um dos restaurantes que jantamos e um senhor que tomava seu chimarrão em uma esquina. Nosso hotel tinha várias gravuras que imagino serem de origem mapulche, mas nenhuma explicação ou informação adicional... 


Na Calle Mitre - principal rua do centro da cidade, uma vitrine me chamou a atenção, eram artesanias típicas da Cordilheira, muito lindas, coloridas, comemoravam o bicentenário da independência argentina.
 

Pachamama - a representação da maternidade e da Mãe-Terra

Acho incrivelmente triste e injusta essa situação, o local é lindo, lembrando a Europa na arquitetura, gastronomia e clima, mas os verdadeiros donos foram assassinados e esquecidos. Na praça central da cidade há inclusive uma estátua do desbravador da Patagônia, ou seja, assassino de índios!
Uma senhora que oferecia seu cão São Bernardo para fotos me contou indignada que a estátua minha sido recentemente pichada e vandalizada, minha expressão me denunciou, apesar de ser um preso em relação aos desaparecidos da Ditadura, acho a intervenção justa e legítima, chega dessa história escrita com sangue e de assassinos transformados em heróis! #desabafo

                                      
 Em Villa Langostura, uma linda cidadezinha, a 80 km de Bariloche e só 40 km da fronteira com o Chile, localizei um loja de artesanias mapuches, onde comprei mais um presépio para a coleção. Por que um presépio? Porque é, na minha opinião, a maior representação de sincronismo religioso, procuro sempre trazer um de minhas viagens...  Reparem na representação de Maria, José e do menino Jesus, são indígenas!



E aqui uma foto de todos nós, eu e meus companheiros de aventura, mesmo que quase abaixo de zero! 


Informações Gerais: 

Taxa de entrada no Parque Nacionale Nahuel Huapi:100 pesos por adulto - crianças até 16 anos e maiores de 65 anos não pagam
Navegação: 780 pesos por pessoa 
Taxa de navegação: 42,50 pesos por pessoa.
O passeio que parte do Puerto Pañuelo tem duração de todo o período vespertino, sai às 13:30 e volta às 18:00. Visita a Isla Victória e o Bosque de Arrayanes.

Para saber mais: 
Poro Pañuelo - preços e horários: http://www.turisur.com.ar/horarios.php


domingo, 24 de julho de 2016

Visita ao Museo Nacional de Bellas Artes de Buenos Aires e a exposição Orozco, Rivera, e Siqueiros

O Museu de Belas Artes de Buenos Aires fazia parte do meu roteiro de viagem, dessa forma, visita-lo foi um grande prazer aos olhos e ao conhecimento. 
Sua localização, na Avenida del Libertador, é um pouco longe do centro, andar não é uma boa ideia,  é preciso ir de metrô ou taxi. É possível visitar o MALBA e o MNBA em um único dia, pois são próximos, além do mais, caminhar pelas muitas praças no entorno vale a vista e os momentos de contemplação. 

Muitas praças e jardins, caminhando desde o MALBA, pudemos visitar a Florais Genérica na Plaza de las Naciones Unidas, vislumbrar o imponente prédio da Facultad del Derecho e caminhar pela Plaza San Martín onde encontra-se o MNBA



A estrutura do espaço é muito boa, a entrada gratuita e se locomover pelas 24 salas do espaço é bastante fácil (sem escadas e demais acessos) e interessante. O acervo possui obras representando desde a Baixa Idade Média, renascentistas, barroco, neoclássico, impressionistas e demais movimentos do século XIX. 
Tapeçarias de Flandres, século XV. 
Ricardo e Ana Clara sentam-se enquanto perambulo loucamente pelas salas. 
Uma escultura em madeira de Vernero - Um anjo com a cabeça de São João Batista, 1845 - impressionante a expressão no rosto do anjo e da cabeça de João Batista em si
Uma pintura do século XVIII me chamou particularmente a atenção por lembrar-me minha querida ex-aluna Ana Luisa: Charlotte de Hesse- Rheinfels de Jean Marc Nattier
Retrato da Infanta Maria Tereza de España - Circulo de Velasquez - como a obra As meninas de Velasquez é uma das minhas preferidas, não pude permanecer imparcial diante dessa obra. 

Para mim, a sala de esculturas merece destaque sempre, a maneira como o artista consegue transformar um bloco de mármore em algo tão perfeito, cheio de sentimentos que não é difícil imaginar os movimentos... por isso a maior parte das fotos são das esculturas.  A iluminação torna tudo muito mais dramático. 

Barrias, O primeiro funeral, 1878: comovente e impressionante, essa obra mostra o momento em que Adão e Eva carregam seu filho morto Abel, Eva beija sua testa. 
Rodin, O Beijo, 1908 - já vi muitas dessa representação em vários museus, mas sempre me causam encantamento.
                                            
Impressionistas Italianos - século XIX
                                               
A mágica utilização da luz pelos impressionistas no século XIX: Gaugin, Marisot, Van Gogh, Monet

A Exposição Temporária de Orosco, Rivera, e Siqueiros 


A exposição temporária foi o ponto alto de minha visita, sem qualquer sombra de dúvida. Me considero privilegiada por poder tê-la visitado. A arte política é extremamente fascinante, a maneira como o artista representa sua opinião por meio das obras, os simbolismos, as cores me encantam. Essa exposição, em especial, pois foi incialmente projetada para ser exposta em 1973, em Santiago, no Chile, mas o golpe que derrubou Allende e implantou a ditadura naquele país fez com que ela não chegasse aos olhos do público, ao menos, não até 2016. 
Caso haja interesse, é possível ter acesso ao catálogo da exposição de 1973 aqui: http://www.mnba.cl/617/w3-article-56809.html a apresentação é feita por Pablo Neruda, mas vale a pena ser analisado com calma, é belíssimo.

Após uma temporada em Santiago, a exposição seguiu para Buenos Aires, onde teve acréscimos de pintores argentinos que foram fortemente influenciados pelos pintores mexicanos, com o complemento: La conexión Sur. Me vi encantada por obras de artistas como Antonio Berni - que para mim tem as obras mais representativas, Carlos Alonso, Lino Enea Spilimbergo, Demetrio Urruchúa e Juan Carlos Castagnino. 
As obras mexicanas englobam a primeira metade do século XX e seus respectivos movimentos artísticos, os três artistas tem como destaque o trabalho como muralistas. Os murais são um detalhe a parte, adoro os murais mexicanos: intensos, grandiosos, coloridos, teatrais cheios de simbolismos cujos protagonistas são homens do povo, o povo heróico mexicano. Magníficos! 
Os artistas argentinos compuseram maioria das obras mostram temáticas recorrentes à história da América Latina, principalmente em momentos de ditadura, repressão e censura nas décadas de 50, 60 e 70.  
 Em agosto de 1960, Siqueiros foi detido pela polícia na casa da família Carrillo Gil onde havia se refugiado. Devido ao seu posicionamento favorável aos movimentos de trabalhadores, opositores ao governo, foi acusado de "subversão social" e preso. Sua esposa, Angélica Arenal, começou uma campanha internacional para exigir sua soltura. Em 1962, o movimento argentino pela libertação de David Alfaro Siqueiros realizou uma homenagem em Buenos Aires. 
Os artistas latino americanos também juntaram suas vozes frente aos acontecimentos da década de 1960, desde o desembarque na Baia dos Porcos, a invasão da República Dominicana, o assassinato de Che Guevara, o Maio Francês de 1968, a matança de Tlateloco até os bombardeios do Vietnã, entre muitos outros. O alastramento dos processos ditatoriais na década de 1970 - por meio da Operação Condor-  impulsionou ações coletivas de denúncia, boicotes, fóruns de discussões, obrigando o aprofundamento das estratégias para representar em suas obras a censura e a repressão que viviam os países do continente. 




José Davi Alforo Siqueiros: primeira nota temática para o mural de Chapultepec - 1956- 1957


Vista do mural completo no castelo de Chapultepec - México


Maternidad - Diego Rivera, 1916

Retrato de Pancho Villa - Orozco, 1931


Antonio Berni, Grupo de Mujeres con paloma, 1951

Ao Pintor mexicano David Alfaro Siqueiros, na prisão (tentativa de tradução minha) 

Quando o pincel é machete, 
Quando a cor um disparo, 
Quando o desenho, a linha, 
é um chicote

Quando um mural é um grito, 
Quando é um punho cerrado, 
Quando pendurado na cadeia
De uns pés ou de algumas mãos

Quando ele é pintado chorando
Que as sanções levantadas
Quando em vez de joelhos 
Eles exaltam os ombros altos

Quando os ventos obscuros 
São travados com ventos fracos
Quando o pássaro mais negro
Se opõe ao pássaro branco

Quando um homem não se cala
Nem está de braços cruzados
Quando antes das multidões
As ondas de luzes do raio

Quando pinta o que parece 
E não o que sonhou
Quando é verdadeira a verdade
E enganoso o engano:

David, em seguida, ele chamou, 
David o preso, 
David Alfaro Siqueiros, 
sozinho, sem flecha nem arco
sozinho, sem pedra nem funda, 
sozinho entre muros 
Quatro paredes vazias. 
Quatro sombras, sem espaço.

Abram as portas, abram-nas!
Ah, o que é isso? Aonde vamos? 
É de noite e sem estrelas? 
Não é dia? O sol se apagou?
Estão os peitos imóveis? 
Estamos mortos por acaso?
Um homem na prisão e ninguém
Nem nada pode salva-lo?

Suspiro! Abri as portas, 
Que estamos vivos, que estamos
vivos, não sepultados, 
com seu nome na garganta, 
com sua vida entre os lábios
As portas! Em breve! E a luz 
se abra de novo em suas mãos. 

Rafael Albert - Buenos Aires, 1962


Juan Carlos Castagnino - Represión. Série Cordobazo, 1969 - Tinta e colagem sobre papel - 70x50

Carlos Alonso - Lección de anatomía n˚2, 1970

Antonio Berni, Tragedia del 3˚ mundo - técnica mista sobre papel

Antonio Berni - Los Conquistadores, 1974 - Técnica mista sobre papel