Rotas comerciais, batalhas e doenças...
Note que a peste negra segue o caminho das rotas comerciais da Baixa Idade Média:
http://www.jenvaughnart.com/wp-content/uploads/2015/04/dave-stevenson-black-death.jpg Acesso em 28 mar 2020
(...) chamada peste bulbônica, pois se caracteriza pela presença de gânglios linfáticos inchados e doloridos (bubões) na virilha e nas axilas, existia de modo endêmico na Ásia Central e na China. Tanto que o Ocidente foi poupado por muito tempo. Até o dia funesto de 1346, quando os tártaros da Horda Dourada decidiram sitiar o porto de Caffa, entreposto comercial genovês na Crimeia, às margens do Mar Negro. O bacilo da peste (ou bacilo de Yersin), transmitido pelas pulgas dos ratos negros que acompanhavam as tropas mongóis, logo infectou tanto os sitiantes quanto os sitiados, pois os sitiantes, já doentes, acharam lógico compartilhar seu mal com os sitiados e catapultar os cadáveres por cima dos muros para infectar a cidade. Seja como for, os tártaros acabaram inventando a primeira guerra biológica! Vamos nos abster de lhes dar os parabéns.
Representação da Horda de Ouro
https://farbitis.ru/pt/historical-geography-of-russia/who-broke-the-golden-horde-story-what-is-the-golden-horde/
Contudo, essa guerra longínqua se alastrou. Um navio de comerciantes genoveses conseguiu escapar antes que o cerco terminasse... Os negócios eram prioridade para os genoveses, que foram logo transportando o carregamento para seus clientes. Para isso, fizeram uma escala em Messina, em setembro de 1347. Depois Gênova e, por dim, Marselha, em dezembro do mesmo ano. E, a cada parada, a peste negra se alastrou no ritmo da descarga das mercadorias, assim como os ratos que a acompanhavam. Uma espécie de epidemia experimental bastante involuntária.
Era possível, portanto, seguir a peste conforme se seguem os ratos. Um pequeno detalhe da história: a ratazana asiática transmissora da peste tomou rapidamente o lugar do ratinho europeu. Tanto que, em Marselha, no ano de 1347, não havia mais gatos para atacar os ratos mongóis!
O leitor que ficou intrigado com esse relato, pode, com toda a razão, se perguntar por que os gatos europeus ficaram apavorados diante dessa nova espécie de 'ameaça amarela'. Porque esse não é o caso: a história é ainda mais terrível. De modo geral, a Idade Média não foi uma boa época para os gatos da Europa. Eles, de fato, tinham a má reputação de, entre outras coisas, serem animais maléficos, detentores de poderes assustadores. Uma bula papal de 1233 chegara a especificar que os gatos pretos eram servos do diabo. Até se corria o risco de ser acusado de feitiçaria pelo simples fato de ter um... A Inquisição logo se encarregaria de combater todas as formas de bruxaria e satanismo, o que incluía naturalmente a erradicação dos gatos. Tanto que os pobres bichanos desapareceram das cidades e dos portos, deixando o terreno livre para os ratos, sua presa ancestral.
Observe o mapa que apresenta o ano da chegada da peste a cada importante porto comercial da Europa:
Observe o mapa que apresenta o ano da chegada da peste a cada importante porto comercial da Europa:
Por ironia da história, quando o papa Inocêncio VII exigiu que a erradicação dos gatos se intensificasse - o que custaria a vida de milhões de animais -, foi a vez da devota cidade de Avignon, então cidade papal, ser atacada pela doença. É bem possível que a presença de gatos tivesse freado a propagação da epidemia, que acabou causando devastação por toda a Europa. Estima-se que, em cinco anos, a peste negra fez 25 milhões de vítimas, ou seja, de 30 a 50% da população ocidental!
Revista História Viva - Edição 18
A moral da história, como diria La Fontaine, por motivos diferentes, mas intimamente ligados, é que não era nada bom ser homem ou gato em Marselha naquela época.
FABIANI, Jean-Nöel. A Fabulosa História do Hospital, da Idade Média aos dias de hoje. Porto Alegre: L&PM, 2019. p. 22 a 24
FABIANI, Jean-Nöel. A Fabulosa História do Hospital, da Idade Média aos dias de hoje. Porto Alegre: L&PM, 2019. p. 22 a 24
Vale a Pena Ler:
https://www.amazon.com.br/fabulosa-hist%C3%B3ria-hospital-Idade-M%C3%A9dia/dp/8525438383 Acesso em 28 mar 2020.
Jean-Nöel Fabiani, cirurgião e professor de história da medicina conta a história do hospital e, consequentemente, da medicina. A linguagem fácil e atrativa cativa o leitor e instiga a curiosidade sobre essa fascinante aventura: a análise do corpo humano e arte de curar!
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